"Cozinha Museu" - V Edição


Farófias ou farofas

Convidados:
Liliane Dardot
Lótus Lobo
Maria do Carmo Freitas
Thaïs Helt
Vilma Rabelo

A Farofa foi criada no intuito de substituir o tempero nas comidas. Utilizando por base a de farinha de mandioca, de milho ou a junção das duas com alguma outra mistura ou tempero, servia para não sentir os gostos crus das coisas. Seria uma das receitas mais antigas da culinária nacional, pois surgiu entre os índios, séculos antes da colonização portuguesa. O pastor protestante francês Jean de Léry, que esteve por aqui no século 16, e publicou a preciosa História de Uma Viagem à Terra do Brasil (Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1980), legou-nos divertido relato sobre uma das maneiras dos índios consumirem a farinha de mandioca. “Tomam-na com quatro dedos na vasilha e a atiram mesmo de longe com tal destreza na boca que não perdem um só farelo.E se nós, franceses, os quiséssemos imitar, não estando como eles acostumados, sujaríamos o rosto, as ventas, as bochechas, as barbas”.


O gastrônomo, filólogo e dicionarista carioca Antônio Houaiss, classifica suas receitas de farofas em três grupos.
No primeiro coloca a farofa d’água. “É a farinha molhada, que pode ser mais seca e até embolada”, sublinhou Houaiss. Consumida fria ou quente, recebe um pouco de manteiga, margarina, azeite, óleo vegetal, gordura de porco, tomate, cebola e alho, sal e pimenta dedo de moça ou malagueta. No segundo grupo inscreve a farofa de manteiga, ingrediente que pode ser substituído pela margarina, azeite, gordura vegetal ou animal. O nome diz tudo. Incorpora-se apenas a gordura, revolvendo bem a farinha, até começar a dourar. No último, apresenta a farofa de molho. “São as feitas em geral com o molho de fundo”. A seguir, deu a receita: “Para cada quantidade do molho na frigideira, juntam-se, mexendo bem, duas a quatro de farinha de mandioca”. Finalmente, reconheceu que, com base nas três técnicas, o número de farofas possíveis é ilimitado. Quem o convenceu dessa prodigalidade foi um amigo farofeiro, obviamente especialista no preparo do prato - e não um homônimo que more longe da praia e vá ao mar levando um farnel repleto de merendas. Ele chamou Houaiss à sua casa e surpreendeu o comilão e intelectual, oferecendo-lhe nada menos que 83 modalidades de farofa.
É certo que esta deliciosa unanimidade nacional perdeu em muitas regiões a condição de acompanhamento e se tornou o prato principal e até música em festival da canção!


Curiosidades:
Há de se frisar que nem só os índios comiam com as mãos. Na verdade, só muito mais tarde é que vai ser introduzido o uso de talheres e, ainda assim, até depois da Independência, em muitas Vilas do interior do Brasil nem todas as pessoas sabiam servir-se, senão da colher. Usavam os dedos com tanta freqüência que a etiqueta mandava que não empregassem mais de três dedos para juntar um bocado. Comer do prato do vizinho era prova de amizade, não sendo raro que os dedos de um e outro se vissem mergulhados a um só tempo no prato de comida. A farinha,tornava-se imprescindível para dar liga à mistura.
.Era muito comum entre as sinhazinhas, alimentarem suas mucamas que rodeavam a mesa do repasto, lançando-lhes à boca, carinhosamente, os punhadinhos de seu prato a que denominavam “capitão”.

A receita:

FARÓFIAS OU FAROFAS
p/4 pessoas (segundo Houaiss)


. 200 gramas de farinha de mandioca
(eventualmente, de farinha de milho)
. 50 gramas de manteiga, ou margarina, ou óleo vegetal ou gordura animal
. sal a gosto
nada mais ou 50 gramas de uma das matérias-primas relacionadas abaixo
. Pôr numa frigideira a matéria graxa e, logo que começar a chiar, juntar a farinha, remexendo-a bem a fogo médio, até principiar a mudar de cor, para um pardo levíssimo. Dar a pitada de sal a seu gosto.
. A farofa está pronta, a menos que se queira uma farofa de um dos seguintes componentes possíveis, todos na base de 50 gramas, não mais:
. molho de um prato de carne que tenha sido excessivo;
. couve picada capilarmente;
. uma banana crua cortada em rodelinhas;
. pedaços de azeitonas, verdes ou pretas;
. salsa picada;
. cebolinha ou cebola picada;
. coentro picado (para peixes);
. tomates verdolengos picados;
. tomates maduros picados;
. cebolas aferventadas picadas;
. alhos picados crus (25 gramas, apenas)
. um ovo cru, deixado cozer sobre a farofa e mexido quando a clara começar a . . . tomar brancura e endurecer;
. um ovo frito picado;
. um ovo cozido picado;
. uma cenoura crua esfiada ou (menos bom) picada;
. uma porção de repolho cru cortado fininho;
. uma porção de repolho cozido cortado fininho;
. uns cubinhos de aipim cozido;
. uns cubinhos de batata-baroa cozida;
. uma porção de torresmo crocantíssimo;
. uma porção de toucinho fresco picadinho;
. uma porção de pão picado em cubinhos torradinhos;
. uma porção de aipo picado;
. uma porção de alho-poró picado;
. uma porção de imaginação...


sabendo que, pronta como é dito de início, e torrada, mantida na frigideira, recebe muito bem cada um desses 25 convidados, que nela devem ficar o tempo apenas de se misturarem bem, vestirem a roupagem da farinha pronta e pronto... Só que, quando se pede imaginação, compreende-se que se podem combinar dois a dois os componentes acima, três a três... etc.
















fotos (acima) Luiz Henrique Vieira

foto Tuscha

artistas convidados: Liliane Dardot, Lótus Lobo, Maria do Carmo Freitas, Thaïs Helt e Vilma Rabelo prepararam farofas' especiais para os visitantes

Um comentário:

Ana Paula disse...

Em Portugal há um doce feito com claras em neve cozida em leite com açúcar e servido com um creme de leite e ovos (gema) que tem esse nome: farofias. É uma delícia.